quarta-feira, 18 de março de 2009

PAULO: um breve histórico de vida e da formação de seu pensamento.

A história de Saulo – jovem judeu da tribo de Benjamim (Fp 3: 5) que se tornaria, mais tarde, o apóstolo que mais influenciou o cristianismo nos primórdios da Igreja – tem o seu início em uma importante cidade de cultura grega da região da Cilícia, Tarso. Esta cidade, segundo as próprias palavras do apóstolo, era “não insignificante” (At 21: 39). A palavra insignificante (gr. asemos), tem o sentido de obscuro, pouco conhecido. Paulo estava afirmando que a sua terra natal não era nem um pouco obscura ou desconhecida. Fica evidente, portanto, que a cidade de Tarso gozava de considerável prestígio na época da igreja primitiva. A história relata que, além desta cidade ser importante comercialmente, teve uma grande parcela de contribuição na construção do pensamento grego. Acompanhando de perto o desenvolvimento intelectual das capitais do conhecimento da época – Atenas e Alexandria – Tarso possuiu uma universidade de renome no mundo antigo. É bem razoável perceber que toda esta atmosfera helenística influenciou bastante o pensamento de Paulo. Provavelmente não tanto quanto alguns de linha mais liberal gostariam, mas, não se pode negar esta influência. Seu conhecimento profícuo da língua grega, tanto escrita quanto falada, e o fato de, em alguns momentos, ter feito citações de escritores gregos deixa claro o seu interesse por conhecer o modo de pensar deste povo (At 17: 28; Tt 1: 12; possivelmente 1Co 15: 33).[1]
Todavia, não foi na filosofia da universidade de Tarso que Saulo encontrou o seu objeto maior de estudos. Até porque é muito pouco provável que ele sequer tenha estudado nesta escola. A verdadeira atenção deste jovem estudante judeu estava voltada para o conhecimento das Sagradas Escrituras do seu povo e das tradições do partido religioso que logo inflamaria o seu coração, o farisaísmo. Saulo recebera o que poderia se considerar a oportunidade dos sonhos de qualquer jovem judeu da diáspora: morar na capital da Judéia e se tornar discípulo do mais respeitado Raboni da época. “Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje” (At 22: 3). Com estas declarações, o apóstolo apela para suas credenciais a fim de ser ouvido em Jerusalém. Que peso teria naquele momento o fato de ter sido “instruído aos pés de Gamaliel”? Este homem foi, muito provavelmente, o mais respeitado mestre da lei no seu tempo. Lucas declara acerca dele: “Gamaliel, mestre da lei, honrado por todo o povo” (At 5: 34). Dizia-se dele ter sido neto do famoso Rabino Hillel, tradicionalmente aceito pelos fariseus como sendo o fundador de sua seita. Logo, seria digno de ser ouvido qualquer judeu que tenha sido instruído por um homem tão importante quanto Gamaliel.
O jovem Saulo, gozando da mais profunda instrução nas Escrituras, logo se destacou como aluno e começou a seguir os princípios do farisaísmo com todas as suas forças (cf Gl 1: 14). Este zelo e paixão ardentes pelo judaísmo, mais especificamente o farisaico, com toda a certeza contribuíram em muito para a decisão deste homem em perseguir ferozmente a Igreja. Lucas nos dá uma idéia do que este sentia ao declarar: “Saulo, respirando ameaças e morte contra os discípulos do Senhor...” (At 9: 1). Por que será que Saulo odiava tanto os cristãos? Muito provavelmente a chave para este repúdio estava na pregação acerca da cruz. A lei santa que aquele jovem fariseu tanto defendia declarava enfaticamente: “O que for pendurado no madeiro é maldito de Deus” (Dt 21: 23). Como, então, se poderia aceitar o kerygma cristão que proclamava que “a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2: 36)? Não se poderia admitir na mente daquele zeloso da lei que o messias, há tantos séculos esperado pelo seu povo, estaria em uma posição tão humilhante debaixo da maldição de Javé, pendurado em uma cruz como um criminoso vil e desprezível. Não. Esta blasfêmia era muito grave para que ele não tomasse alguma providência. Neste contexto, Saulo pede autorização ao sumo sacerdote para perseguir e prender os cristãos na cidade de Damasco. O que Ele não contava era com o fato que justamente nesta viagem algo aconteceria que mudaria a sua história para sempre. O próprio Cristo ressurreto lhe aparecera na estrada de Damasco e lhe revelara o evangelho que seria pregado por ele em todo o restante de sua história.
Esta revelação sobrenatural da essência da mensagem cristã, recebida por Paulo em seu encontro pessoal com Jesus, não pode ser posta de lado em nenhum momento por qualquer estudioso que deseje estabelecer as bases do pensamento do apóstolo. Em sua epístola aos gálatas, o apóstolo expressa claramente que o seu evangelho não foi aprendido de nenhum outro homem, mas recebido “mediante revelação de Jesus Cristo” (Gl 1: 12 cf 1: 11-17). Logo, qualquer tese que deseje entender o sistema teológico do apóstolo como tendo sido alicerçado em pensamento grego, romano, ou até mesmo judaico, deve ser submetida a este conceito de apokalypsis. Todavia, com base em alguns trechos de seus próprios escritos, pode-se perceber que, concomitantemente à revelação direta, algumas fontes foram levadas em conta na formação de seus pressupostos. Quando Paulo dirige seus ensinamentos, à igreja de Corinto, sobre a ressurreição do Senhor, declara: “Antes de tudo vos entreguei o que também recebi” (1Co 15: 3a). Muitos estudiosos têm entendido que estas palavras fazem menção de algumas tradições adotadas como fontes. Em outras palavras, os fatos históricos acerca da morte e ressurreição de Cristo teriam chegado até o apóstolo por meio de terceiros. O verbo grego paralambano, “o que também recebi” (cf 1Co 15: 3), tem o sentido literal de receber ao lado. Este verbo “corresponde à expressão que os rabinos utilizavam para descrever como transmitiam tradições. O que parece que Paulo está afirmando é que elementos de seu ensino evangélico foram-lhe passados por outras pessoas”.[2] Esta afirmação não contraria em nada o conceito de revelação defendido pelo mesmo em Gálatas, pois o fato de a essência do evangelho – mais especificamente no caso da apologia contra os judaizantes presentes nas igrejas da Galácia, a justificação pela fé independente das obras da lei – ser sido passada para este diretamente do Senhor, sem nenhuma mediação humana, não impede de alguns aspectos relativos ao conteúdo total do evangelho terem sido aprendidos de outros.
Um exemplo claro disso está nas referências aos ensinos que o próprio Senhor Jesus havia deixado. Declarações como: “...ordeno, não eu, mas o senhor...” (1Co 7: 10) fazem menção clara do uso que o apóstolo fazia dos ensinos de Cristo como fundamento para o seu pensamento, não ficando claro, contudo, como o apóstolo teve acesso a esse material, se de forma escrita ou por transmissão oral.[3] Na ética de Romanos 12, por exemplo, podem ser encontrados paralelos consideráveis com os ensinos do Sermão do Monte. Com tudo isso, o Antigo Testamento foi, sem temor de equívoco, a maior base para o complexo sistema doutrinário deixado por Paulo. As citações que este faz da Septuaginta – segundo Carson, mais de 90 em suas epístolas[4] – e a presença marcante de hebraísmos[5] são provas substanciais desta idéia.
No entanto, mesmo com evidências tão conclusivas de que a teologia do apóstolo Paulo estava baseada, antes de tudo, na tríade Revelação – Antigo Testamento – Ensinos do Jesus Terreno, não se pode descartar, como já vimos anteriormente, a importância das suas raízes greco-romanas e da sua formação farisaica na construção do seu pensamento. Paulo foi, então, um dedicado fariseu poderoso nas Escrituras e nas tradições do seu povo, profundo conhecedor da cultura grega, que recebeu diretamente do Cristo glorificado a revelação do evangelho e foi comissionado para “manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde os séculos, oculto em Deus, que criou todas a coisas” (Ef 3: 9).

Pastor Emanuel Uchôa (Maninho).

[1] Em seqüência: Arato, Epimênides e Menander.
[2] CARSON. Introdução ao Novo Testamento, p. 247.
[3] No caso de 1 Coríntios, mais especificamente, poder-se-ia adotar uma data posterior à da escrita do Evangelho segundo Marcos, pois alguns propõem que este teria sido escrito na década de quarenta, enquanto 1 Coríntios provavelmente foi escrita entre 51 e 52 d.C. No entanto, esta datação tão remota de Marcos não goza de um peso considerável de evidências a seu favor. Portanto, provavelmente os ensinos de Jesus chegaram até o apóstolo Paulo por via oral.
[4] CARSON. Introdução ao Novo Testamento, p. 249.
[5] Conceitos hebraicos expressos em língua grega pelo apóstolo.

2 comentários:

  1. Pr. Maninho, parabéns. pelo blog e texto. exelente. Deus te abençoe.

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  2. Parabéns Pr. Maninho pelo seu trabalho com os jovens e adolescentes da SIBM. Parabéns pela matéria que está de muito bom gosto. Abraço.

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