quinta-feira, 23 de abril de 2009

MONOGRAFIA DE TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO I

Atenção alunos de Teologia do NT. Algumas informações importantes sobre o trabalho de conclusão da disciplina:

Data de Entrega

11/06 para a turma da noite
16/06 para a turma da tarde

Temas

1 - A Blasfêmia contra o Espírito Santo.
2 - O Reino de Deus: o já e o ainda não; e sua relevância para o ministério da igreja hoje.
3 - A auto-imagem cristológica de Jesus.
4 - A Escatologia de Jesus nos sinóticos.
5 - O Batismo no Espírito Santo em Atos.

Critérios

- No mínimo seis laudas completas (1 p/ introdução, 4 p/ desenvolvimento e 1 p/ conclusão).
- Consultar, no mínimo, seis autores (livros específicos sobre o tema, de Teologia do NT e comentários bíblicos).
- Fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5; citações com notas de rodapé.

Bibliografia Recomendada

Livros de Teologia do Novo Testamento:

BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento – Teológica.
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento – Teológica.
KÜMMEL, Georg Werner. Síntese Teológica do Novo Testamento – Teológica.
LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento – Hagnos.
MARSHAL, I Howard. Teologia do Novo Testamento – diversos testemunhos, um só evangelho – Vida Nova.
MORRIS, Leon. Teologia do Novo Testamento – Vida Nova.

Comentários Bíblicos:

ARRINGTON, French L. & Roger Stronstad. Comentário Bíblico Pentecostal – CPAD.
CHAMPLIN, Russel N. O Novo Testamento Interpretado – Versículo por Versículo – Hagnos.
HENDRIKSEN, William. Marcos – Cultura Cristã.
HENDRIKSEN, William. Mateus – Cultura Cristã.
HENDRIKSEN, William. Lucas – Cultura Cristã.
MARSHAL, I Howard. Atos – Vida Nova.
MORRIS, Leon. Lucas – Vida Nova.
MULHOLLAND, Dewey M. Marcos – Vida Nova.
PFEIFFER, Charles F. & Everett F. Harrison. Comentário Bíblico Moody – EBR.
STOTT, John R. W. A Mensagem de Atos – ABU.
TASKER, R. V. G. Mateus – Vida Nova.

Obras de apoio:

COENEN, Lothar & Colin Brown. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento – Vida Nova.
RIENECKER, Fritz & Cleon Rogers. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego – Vida Nova.

Obras específicas para cada tema:

SHEDD, Russel P. Escatologia do Novo Testamento – Vida Nova.
STOTT, John R. W. O Batismo e a Plenitude no Espírito – Vida Nova.
Sobre o tema 2, conferir alguns textos em: http://www.vidanova.com.br/congresso_texto_prele2008.htm

Outros livros, na mesma linha, serão aceitos.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

REINO DE DEUS E REINO DOS CÉUS

Os três evangelistas sinóticos, ao relatarem o início do ministério público de Jesus, utilizam mais ou menos o mesmo esquema redacional de Marcos[1]: o seu batismo por João, a tentação no deserto e o retorno para a galiléia para pregar o que seria o conteúdo básico da sua mensagem: o reino de Deus. Marcos transcreve este discurso do próprio Senhor: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1: 15). Lucas revela a compreensão do Mestre de que esta era a essência da sua missão: “É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado” (Lc 4: 43). Mateus, narrando a atividade de Jesus, diz: “Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4: 23). Para os três autores, as palavras que saíram da boca de Jesus estavam relacionadas com a mensagem acerca do evangelho do reino.
Todavia, quando partimos para a leitura de Mateus, percebemos o seu uso, em várias passagens, de uma expressão diferente, que não é encontrada nos outros dois sinóticos: o reino dos céus. “Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 4: 17). Seria o reino dos céus algo diferente do reino de Deus?
Um número considerável de estudiosos respeitáveis como Charles Ryrie, Dwight Pentecost e John Walvoord defendem uma distinção de sentido para as duas expressões. Esses são grandes representantes de uma linha de pensamento, hermenêutico e teológico, denominada dispensacionalismo. Os dispensacionalistas têm, entre os seus pressupostos, dois considerados fundamentais: (1) a crença de que as profecias do Antigo Testamento, em relação a Israel, precisam ser cumpridas de forma literal; (2) a certeza de que Israel e a Igreja são dois povos distintos cujos destinos estão sujeitos a programas distintos da parte do Senhor. O reino dos céus, segundo essa linha de pensamento, significa o domínio de Deus sobre a terra em relação ao cumprimento das promessas vétero-testamentárias de um reino terreno e material para Israel. Devido ao fato de Israel ter rejeitado este reino, em Cristo, surge uma nova mensagem nos lábios do Mestre: o reino de Deus. Essa nova mensagem diz respeito a um reino de natureza mais espiritual e abrange todos os povos que crerem, a igreja. Quanto ao reino dos céus, esse se consumará escatologicamente, após o arrebatamento pré-tribulacional da igreja e a conversão de Israel durante a tribulação. Em seguida a esses fatos vem o reino milenar onde Israel se estabelecerá territorialmente em Jerusalém com a restauração do trono de Davi.
Essa leitura de dois reinos diferentes proporcionaria uma boa explicação para o problema da diferença de linguagem existente entre a promessa do AT sobre o reino messiânico – uma conquista política terrena (cf. Is 9: 1-7) – e o reino conquistado por Jesus no NT – caracterizado como sendo de natureza mais espiritual. Conforme afirmou Ladd: “Este é um mistério insolúvel para a teologia do Novo Testamento, encontrado não apenas nos sinóticos, mas também em outros textos. Os inimigos do Reino de Deus não são agora as nações hostis e ímpias, como no Antigo Testamento, mas sim os poderes espirituais malignos. A vitória do reino de Deus é uma vitória no mundo espiritual: o triunfo de Deus sobre Satanás”.[2] O que Ladd afirma ser um ‘mistério insolúvel’ seria facilmente explicado pelo pensamento dispensacionalista. A linguagem muda porque o reino prometido no AT teria sido adiado em virtude dos judeus terem rejeitado o Messias. Logo o reino passou a ser outro, de natureza mais espiritual, para a igreja.
Partindo de uma leitura dogmática, baseada em pressupostos dispensacionalistas, seria fácil aceitarmos esta explicação. No entanto, um fato, conquanto básico, atesta de forma bastante conclusiva a impossibilidade da mesma: o intercambiamento dos dois termos que os evangelistas adotam para expressar as mesmas passagens. Para Marcos, o reino de Deus era o conteúdo do evangelho que Jesus pregara na Galiléia após a prisão de João (Mc 1: 14, 15), já para Mateus era o reino dos céus (Mt 4: 12-17). Segundo Marcos e Lucas, Jesus explicava o sentido das suas parábolas aos seus discípulos porque para eles era dado o conhecimento dos “mistérios do reino de Deus” (Mc 4: 10, 11; Lc 8: 9, 10); Mateus, ao relatar o mesmo episódio usa a expressão “os mistérios do reino dos céus” (Mt 13: 10, 11). Em Marcos e Lucas, Jesus ensinou que “o reino de Deus” é semelhante a um grão de mostarda (Mc 4: 30-32; Lc 13: 18, 19); na redação de Mateus, “o reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda” (Mt 13: 31, 32). Em outras passagens análogas Mateus utiliza o “reino dos céus” para se referir à mesma coisa que Marcos e Lucas dizem sobre o “reino de Deus”. O “fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado” (Mt 13: 33; cf. Lc 13: 20, 21); o motivo da ordem “deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim” (cf. Mt 19: 13-15; Mc 10: 13-16 e Lc 18: 15-17). Outra passagem muito importante é a de Mateus 19: 23, 24: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Esta passagem torna-se especialmente significativa não apenas devido ao fato da primeira sentença, nos textos análogos, conter a expressão “reino de Deus” (cf. Mc 10: 23-27; Lc 18: 24-27), mas também quando se percebe que o próprio Mateus intercambia os dois termos com o mesmo sentido. Fica evidente, portanto, em razão destas e outras passagens, que, para os evangelistas, as expressões “reino de Deus” e “reino dos céus” são sinônimas. Dizem respeito ao mesmo reino. Por que então só Mateus opta em tantas passagens pela segunda expressão?
O “reino dos céus” é uma expressão idiomática judaico-cristã, comum na literatura rabínica, que seria adotada pelo povo judeu em virtude de sua interpretação supersticiosa acerca do terceiro mandamento “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão” (Ex 20: 7). Não seria razoável propor que Mateus se conformara a essa superstição, pois o mesmo não teme usar a expressão “reino de Deus” em outras passagens (cf. Mt 12:28; 19:24; 21:31; 21:43). Contudo, faz uso da expressão simplesmente em virtude da popularidade que essa tinha, entre o seu público alvo judaico, adotando o sentido de “reino daquele que está nos céus”.[3] Todavia, poderia alguém perguntar sobre qual expressão o próprio Jesus utilizou, basileia tou Theou ou basileia tôn ouranôn. A resposta é: nenhuma das duas, pois o Senhor certamente não ensinava aos seus discípulos utilizando a língua grega. Sua língua era o aramaico pós-exílico, com sotaque galileu. Se ele se referia, em sua pregação, ao reino de Deus ou dos céus, ou mesmo se intercalava as duas expressões (conforme propõem Ladd e Goppelt), não haveria maior relevância, pois, visto que as expressões distintas são utilizadas, na redação dos evangelhos, para se referir aos mesmos ensinos de Jesus, fica claro que se referem a um mesmo conceito.

Pr Emanuel Uchôa

[1] Trabalhamos a partir da teoria das duas fontes que adota a primazia de Marcos.
[2] George Eldon Ladd. Teologia do Novo Testamento, p. 94.
[3] Leonhard Goppelt. Teologia do Novo Testamento, p. 81.

quarta-feira, 25 de março de 2009

A IMPORTÂNCIA DE JOÃO BATISTA NA TRADIÇÃO SINÓTICA

Algum leitor que decidir se aventurar pelas páginas de qualquer dos evangelhos sinóticos vai se deparar, logo no início da sua empreitada, com a figura enigmática e exótica de João Batista. O fato de ser comum, aos três autores, a decisão de incluir, em seus livros, as tradições acerca deste profeta, que vivia no deserto pregando e mergulhando o povo no rio Jordão, nos desperta à percepção da considerável importância desse registro para os propósitos literários dos evangelistas. Qual a razão dessa importância?
Em primeiro lugar, a figura histórica de João Batista tornou-se bastante conhecida e estimada pela comunidade da Judéia que o reconhecia como um profeta autêntico (Mc 11: 32 par[1]). Este fato torna-se um motivo mais do que relevante para a escolha de Marcos por iniciar o seu evangelho com o ministério do Batista, identificando-o profeticamente como aquele que “prepararia o caminho” e “endireitaria as veredas” para a chegada do Senhor (Mc 1: 2, 3; cf. Ml 3: 1 e Is 40: 3). Se esse “Senhor” messiânico é Jesus, e é isto que Marcos quer evidenciar com sua obra[2], nada mais adequado do que mostrar para os seus leitores (a comunidade de cristãos em Roma) que as profecias do AT[3] estavam se cumprindo à risca, inclusive com o preâmbulo proporcionado pela ação da “voz do que clama no deserto”. Em outras palavras, ao identificar João profeticamente com o AT, consequentemente, também ficaria identificado o seu sucessor que, conforme a estrutura dos evangelhos, era Jesus.
Em segundo lugar, os autores percebem a figura de João como um elemento importante para introduzir uma temática teológica fundamental dos evangelhos: o reino de Deus[4]. Esse reino, segundo as convicções teológicas dos autores neo-testamentários, seria o governo de Deus sobre a terra, inaugurado com o ministério terreno de Jesus e estabelecido, na sua plenitude, com o evento da parousia, a segunda vinda escatológica de Jesus com o objetivo de julgar o mundo. Esse julgamento é chamado no AT de "o dia do Senhor". Contudo, era necessário o cumprimento de uma profecia para que esse reino viesse a efeito: “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor; ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição” Ml 4: 5, 6). Embora o próprio João não tivesse a compreensão de ser ele mesmo essa personificação de Elias, predita por Malaquias (cf. Jo 1: 21-23), a realidade desse fato é assegurada pelo testemunho do próprio Senhor Jesus (Mt 11: 14).
Outro motivo, que poderíamos listar em terceiro lugar, está relacionado com o batismo de Jesus. Segundo Marcos, João pregava “batismo de arrependimento para remissão de pecados” (Mc 1: 4). Mateus acrescenta, a essa pregação de arrependimento, a chegada iminentemente próxima do “reino dos céus” (Mt 3: 2). Quando o profeta do deserto fala em arrependimento, deve-se compreender que o mesmo está se referindo a algo muito mais profundo do que uma simples “mudança de mente”, conforme expressa o sentido etimológico imediato de metanoia. Arrependimento para João tinha o sentido vétero-testamentário de conversão. Voltar-se para Deus em novidade de vida e, consequentemente, desfrutar do perdão que o Senhor oferecia. O batismo de arrependimento tipificava esta experiência: “Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez 36: 25-27). Perceba que um arrependimento definitivo, implicando novidade de vida e incluindo, consequentemente, a observância da Lei do Senhor, só seria possível de fato a partir de um Espírito novo e um coração novo que seriam implantados nos homens. O batismo de João, conforme mencionado acima, apenas tipificava tudo isso, contudo, conforme sua prédica, chegaria alguém “mais poderoso do que ele” que realizaria esse batismo com o Espírito Santo (cf. Mc 1: 7, 8 par).
No meio daquela multidão que “confessando os seus pecados, eram batizados por ele no rio Jordão” (Mc 1: 5b) surge alguém que causa uma reação extremamente inusitada por parte do Batista: esse recusa-se a batiza-lo afirmando: “eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (Mt 3: 14b). Essa reação se deu, provavelmente, por dois motivos básicos: (1) João reconhecia que Jesus não tinha do que se arrepender, não tinha que se converter, voltando-se para Deus, pois já vivia em comunhão plena com o Pai; (2) o Batista também compreende que seria justamente Jesus aquele que realizaria o batismo com o Espírito Santo, o qual o seu batismo com água simbolizava. Fica, portanto, evidente a extrema necessidade de se mencionar o ministério batista de João e identifica-lo como uma tipificação do batismo pleno que Jesus realizaria e a igreja experimentaria posteriormente no pentecostes.
Diante dos motivos expostos, torna-se claro para nós que de fato era importante e necessária a inclusão das tradições acerca do ministério e pregação de João Batista no processo de redação dos evangelhos. Isso porque a partir desses relatos a figura de Jesus seria melhor identificada e compreendida pela comunidade cristã primitiva. Ficaria mais fácil reconhece-lo como messias, pois seu caminho havia sido preparado pelo mensageiro que lhe precedera, sendo esse mensageiro bastante conhecido tanto pelos convertidos quanto por aqueles que os apóstolos ainda almejavam alcançar com seu kerygma; clarearia a mente das pessoas para a figura de Jesus quanto ao agente inaugurador do reino de Deus na terra, pois o segundo Elias já havia vindo antes dele; e também, a partir do seu ministério batismal, explicaria melhor a ação do Cristo em Batizar os arrependidos com o Espírito Santo oferecendo, assim, o perdão gracioso de Deus.

Pastor Emanuel Uchôa (Maninho).

[1] Par. Usarei sempre esta abreviatura com o sentido de paralelos nos outros evangelhos sinóticos.
[2] Perceba a denominação que o próprio Marcos dá a sua obra em (1: 1): “a boa notícia de Jesus Cristo o filho de Deus”.
[3] Antigo Testamento.
[4] Ou reino dos céus, segundo Mateus. O Fato de essas expressões distintas aparecerem em relatos dos mesmos fatos nos força a aceitar que as mesmas se tratam de sinônimos.

quarta-feira, 18 de março de 2009

PAULO: um breve histórico de vida e da formação de seu pensamento.

A história de Saulo – jovem judeu da tribo de Benjamim (Fp 3: 5) que se tornaria, mais tarde, o apóstolo que mais influenciou o cristianismo nos primórdios da Igreja – tem o seu início em uma importante cidade de cultura grega da região da Cilícia, Tarso. Esta cidade, segundo as próprias palavras do apóstolo, era “não insignificante” (At 21: 39). A palavra insignificante (gr. asemos), tem o sentido de obscuro, pouco conhecido. Paulo estava afirmando que a sua terra natal não era nem um pouco obscura ou desconhecida. Fica evidente, portanto, que a cidade de Tarso gozava de considerável prestígio na época da igreja primitiva. A história relata que, além desta cidade ser importante comercialmente, teve uma grande parcela de contribuição na construção do pensamento grego. Acompanhando de perto o desenvolvimento intelectual das capitais do conhecimento da época – Atenas e Alexandria – Tarso possuiu uma universidade de renome no mundo antigo. É bem razoável perceber que toda esta atmosfera helenística influenciou bastante o pensamento de Paulo. Provavelmente não tanto quanto alguns de linha mais liberal gostariam, mas, não se pode negar esta influência. Seu conhecimento profícuo da língua grega, tanto escrita quanto falada, e o fato de, em alguns momentos, ter feito citações de escritores gregos deixa claro o seu interesse por conhecer o modo de pensar deste povo (At 17: 28; Tt 1: 12; possivelmente 1Co 15: 33).[1]
Todavia, não foi na filosofia da universidade de Tarso que Saulo encontrou o seu objeto maior de estudos. Até porque é muito pouco provável que ele sequer tenha estudado nesta escola. A verdadeira atenção deste jovem estudante judeu estava voltada para o conhecimento das Sagradas Escrituras do seu povo e das tradições do partido religioso que logo inflamaria o seu coração, o farisaísmo. Saulo recebera o que poderia se considerar a oportunidade dos sonhos de qualquer jovem judeu da diáspora: morar na capital da Judéia e se tornar discípulo do mais respeitado Raboni da época. “Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje” (At 22: 3). Com estas declarações, o apóstolo apela para suas credenciais a fim de ser ouvido em Jerusalém. Que peso teria naquele momento o fato de ter sido “instruído aos pés de Gamaliel”? Este homem foi, muito provavelmente, o mais respeitado mestre da lei no seu tempo. Lucas declara acerca dele: “Gamaliel, mestre da lei, honrado por todo o povo” (At 5: 34). Dizia-se dele ter sido neto do famoso Rabino Hillel, tradicionalmente aceito pelos fariseus como sendo o fundador de sua seita. Logo, seria digno de ser ouvido qualquer judeu que tenha sido instruído por um homem tão importante quanto Gamaliel.
O jovem Saulo, gozando da mais profunda instrução nas Escrituras, logo se destacou como aluno e começou a seguir os princípios do farisaísmo com todas as suas forças (cf Gl 1: 14). Este zelo e paixão ardentes pelo judaísmo, mais especificamente o farisaico, com toda a certeza contribuíram em muito para a decisão deste homem em perseguir ferozmente a Igreja. Lucas nos dá uma idéia do que este sentia ao declarar: “Saulo, respirando ameaças e morte contra os discípulos do Senhor...” (At 9: 1). Por que será que Saulo odiava tanto os cristãos? Muito provavelmente a chave para este repúdio estava na pregação acerca da cruz. A lei santa que aquele jovem fariseu tanto defendia declarava enfaticamente: “O que for pendurado no madeiro é maldito de Deus” (Dt 21: 23). Como, então, se poderia aceitar o kerygma cristão que proclamava que “a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2: 36)? Não se poderia admitir na mente daquele zeloso da lei que o messias, há tantos séculos esperado pelo seu povo, estaria em uma posição tão humilhante debaixo da maldição de Javé, pendurado em uma cruz como um criminoso vil e desprezível. Não. Esta blasfêmia era muito grave para que ele não tomasse alguma providência. Neste contexto, Saulo pede autorização ao sumo sacerdote para perseguir e prender os cristãos na cidade de Damasco. O que Ele não contava era com o fato que justamente nesta viagem algo aconteceria que mudaria a sua história para sempre. O próprio Cristo ressurreto lhe aparecera na estrada de Damasco e lhe revelara o evangelho que seria pregado por ele em todo o restante de sua história.
Esta revelação sobrenatural da essência da mensagem cristã, recebida por Paulo em seu encontro pessoal com Jesus, não pode ser posta de lado em nenhum momento por qualquer estudioso que deseje estabelecer as bases do pensamento do apóstolo. Em sua epístola aos gálatas, o apóstolo expressa claramente que o seu evangelho não foi aprendido de nenhum outro homem, mas recebido “mediante revelação de Jesus Cristo” (Gl 1: 12 cf 1: 11-17). Logo, qualquer tese que deseje entender o sistema teológico do apóstolo como tendo sido alicerçado em pensamento grego, romano, ou até mesmo judaico, deve ser submetida a este conceito de apokalypsis. Todavia, com base em alguns trechos de seus próprios escritos, pode-se perceber que, concomitantemente à revelação direta, algumas fontes foram levadas em conta na formação de seus pressupostos. Quando Paulo dirige seus ensinamentos, à igreja de Corinto, sobre a ressurreição do Senhor, declara: “Antes de tudo vos entreguei o que também recebi” (1Co 15: 3a). Muitos estudiosos têm entendido que estas palavras fazem menção de algumas tradições adotadas como fontes. Em outras palavras, os fatos históricos acerca da morte e ressurreição de Cristo teriam chegado até o apóstolo por meio de terceiros. O verbo grego paralambano, “o que também recebi” (cf 1Co 15: 3), tem o sentido literal de receber ao lado. Este verbo “corresponde à expressão que os rabinos utilizavam para descrever como transmitiam tradições. O que parece que Paulo está afirmando é que elementos de seu ensino evangélico foram-lhe passados por outras pessoas”.[2] Esta afirmação não contraria em nada o conceito de revelação defendido pelo mesmo em Gálatas, pois o fato de a essência do evangelho – mais especificamente no caso da apologia contra os judaizantes presentes nas igrejas da Galácia, a justificação pela fé independente das obras da lei – ser sido passada para este diretamente do Senhor, sem nenhuma mediação humana, não impede de alguns aspectos relativos ao conteúdo total do evangelho terem sido aprendidos de outros.
Um exemplo claro disso está nas referências aos ensinos que o próprio Senhor Jesus havia deixado. Declarações como: “...ordeno, não eu, mas o senhor...” (1Co 7: 10) fazem menção clara do uso que o apóstolo fazia dos ensinos de Cristo como fundamento para o seu pensamento, não ficando claro, contudo, como o apóstolo teve acesso a esse material, se de forma escrita ou por transmissão oral.[3] Na ética de Romanos 12, por exemplo, podem ser encontrados paralelos consideráveis com os ensinos do Sermão do Monte. Com tudo isso, o Antigo Testamento foi, sem temor de equívoco, a maior base para o complexo sistema doutrinário deixado por Paulo. As citações que este faz da Septuaginta – segundo Carson, mais de 90 em suas epístolas[4] – e a presença marcante de hebraísmos[5] são provas substanciais desta idéia.
No entanto, mesmo com evidências tão conclusivas de que a teologia do apóstolo Paulo estava baseada, antes de tudo, na tríade Revelação – Antigo Testamento – Ensinos do Jesus Terreno, não se pode descartar, como já vimos anteriormente, a importância das suas raízes greco-romanas e da sua formação farisaica na construção do seu pensamento. Paulo foi, então, um dedicado fariseu poderoso nas Escrituras e nas tradições do seu povo, profundo conhecedor da cultura grega, que recebeu diretamente do Cristo glorificado a revelação do evangelho e foi comissionado para “manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde os séculos, oculto em Deus, que criou todas a coisas” (Ef 3: 9).

Pastor Emanuel Uchôa (Maninho).

[1] Em seqüência: Arato, Epimênides e Menander.
[2] CARSON. Introdução ao Novo Testamento, p. 247.
[3] No caso de 1 Coríntios, mais especificamente, poder-se-ia adotar uma data posterior à da escrita do Evangelho segundo Marcos, pois alguns propõem que este teria sido escrito na década de quarenta, enquanto 1 Coríntios provavelmente foi escrita entre 51 e 52 d.C. No entanto, esta datação tão remota de Marcos não goza de um peso considerável de evidências a seu favor. Portanto, provavelmente os ensinos de Jesus chegaram até o apóstolo Paulo por via oral.
[4] CARSON. Introdução ao Novo Testamento, p. 249.
[5] Conceitos hebraicos expressos em língua grega pelo apóstolo.